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quarta-feira, dezembro 28, 2005

Street Racing no Algarve

Em Portugal o Street Racing é um fenómeno recente mas já com alguma expressão, sobretudo nas grandes cidades. Mas então e no Algarve?
Fomos em busca desta actividade na região.


Tínhamos consciência que não iria ser nada fácil. Em primeiro lugar devido à irregularidade com que estas corridas se dão. Em segundo lugar porque nos parecia difícil conquistar a confiança dos intervenientes.

Na primeira noite começámos a “caça” ao street racing, por volta das 23h. Rumámos em direcção a um dos pontos mais mencionados para estes encontros, o Parque das Cidades. Uma vez lá chegados não é difícil perceber porquê. De facto, em redor do Estádio do Algarve, encontramos uma série de parques de estacionamento, com áreas gigantescas, que decerto facilitam a circulação dos automóveis. Em segundo lugar encontramos um conjunto de rectas desproporcionais, que incentivam qualquer um a acelerar, já por não falar que a passagem de trânsito naquela zona é diminuta, especialmente de noite. A acompanhar-nos estava um street racer, que por razões óbvias quis manter o anonimato. Por essa razão passaremos a designá-lo apenas por Drift, o nome pelo qual quis ser identificado. Ele seria o nosso guia, durante a reportagem. Era Domingo, por volta das 23 horas, pois segundo Drift, esta era a melhor hora devido “aos bófias que têm aparecido durante a noite, por isso a malta vem mais cedo”. Tinha razão, a estrada estava bastante movimentada e viam-se aqui e ali, alguns grupos de pessoas que vieram assistir. O nosso condutor ia parar bastante próximo da recta principal, mas mais uma vez, fomos aconselhados pelo nosso guia para não parar ali: - “A polícia já tem fechado a estrada e depois caem em cima de tudo e todos! É melhor estacionar num dos parques mais afastados, para eles não chatearem”. Dito e feito. Colocámos a nossa viatura a uma centena de metros, num dos parques exteriores e fomos a pé, dialogando com o nosso companheiro.

Drift – Isto hoje está fraco... Já cheguei a ver a estrada cheia de pessoas de uma lado e doutro. No Verão passado, chegou a haver “queimas” durante três dias seguidos.

Eder Sousa – Quer dizer que no Verão existem mais corridas?

D – Nem por isso. A malta faz todo o ano, desde que não chova muito... O problema é que isto já não é como era. Desde os acidentes, como o de Almada, a “bófia” começou a apertar mais. Antes ninguém ligava a isto. Foi só a comunicação social falar do assunto, começaram a cair em cima de nós.

ES – Como é que fazem então, para evitar a polícia?

D – Antes tínhamos dias e horas combinadas. Agora fazemos a qualquer hora e a qualquer dia.

ES – Mas como é que se organizam desta forma?

D – Sabemos mais ou menos os pontos onde a malta se encontra.

Entretanto, interrompemos o diálogo, pois começamos a ver alguma movimentação. Dois carros alinhados. Arrancam e num ápice passam por nós com um barulho ensurdecedor, oriundo dos escapes modificados. Assim que se afastam recomeçamos a conversa.

ES – Costumas participar nas corridas?

D – Cheguei a fazer umas quantas vezes, mas já me deixei disso. Agora gosto só de assistir. De qualquer modo, já fui alertado uma vez pela polícia. Não quero arriscar a ficar sem carta. Dessa vez os polícias vieram num Audi A4 à civil e começaram a filmar os “picanços”. Depois chegou a GNR e fecharam a estrada. A malta não conseguiu fugir. Eu só estava a assistir, mas pediram-me logo os documentos e avisaram-me que se voltasse a ser apanhado naqueles locais ia ter chatices.

ES – Achas que a intervenção da polícia tem vindo a reduzir este tipo de actividade?

D – Um bocado. Conheço pessoal que já não se mete tanto nisto, mas há sempre aqueles que nunca desistem. De qualquer modo, existem sempre formas de os despistar. Eles não conseguem estar em todo o lado ao mesmo tempo.

ES – Já vimos que o Parque das Cidades é um dos pontos de eleição, mas antes já havia corridas?

D – Já. Antes o pessoal ia para o mercado abastecedor, naquela estrada que vai para Estói. Isso aí é que era. Tínhamos muito espaço. Cheguei a ver malta que vinha de Espanha de propósito para correr ali. Depois começou a haver muito movimento e fecharam aquilo.

ES – Achas que se existissem pistas, onde pudessem realizar as corridas, a preços reduzidos (como os Track Day’s, realizados em alguns países e que já se fazem igualmente no circuito do Estoril, uma vez por ano), deixavam de fazer corridas nas estradas?

D – Não. A maior parte do pessoal que vem para aqui, gosta mesmo disto, do ambiente e da adrenalina de andar na estrada. Acredito que podia haver quem fosse para as pistas, mas vai haver sempre estas corridas.

ES – Já viste apostas?

D – Apostas sim, mas só de palavra e nunca de dinheiro. Já ouvi falar de alguns que apostam dinheiro mas isso é muito raro. É mais coisa dos filmes. Talvez em Lisboa, mas não posso dizer porque nunca fui lá ver.

ES – Por falar em dinheiro. Mais ou menos, quais são as somas monetárias que se investem nos carros.

D – Depende. Há aqueles que só gastam numas jantes e outros que mudam tudo e mais alguma coisa no carro. Já vi alguns “kitanços”, que custam mais do que o próprio carro. Mas aquele pessoal que gosta de correr, normalmente investe mais no motor e não na estética do carro.

ES – Vais ter que nos desculpar, mas aqui está a pergunta inevitável: achas que o tuning está intimamente ligado ao Street Racing?

D – Não. Vou ser sincero. A maioria dos que vêm correr, equipam os carros. Mas também já tenho visto alguns que participam com carros originais de fábrica, sem modificações. O problema é que o pessoal pretende fazer boa figura e nunca ficar para trás de ninguém. Por essa razão utilizam o tuning como uma forma de transformar o carro mediano que têm, numa máquina de corridas. Já tem aparecido gajos que têm grandes máquinas, como um Porsche 911 Carrera S e um BMW M3 que andam por aí e que não estão modificados. De origem já vêem preparados para correr. Agora por que razão se deve descriminar um Peugeut 106 GTI ou um Saxo cup e não um Porsche, que de fábrica já dá quase 290km/h?! Só porque o Porsche tem estabilidade ou foi preparado por engenheiros? É certo que existem muitos carros mal preparados e que não respeitam as medidas de segurança, mas também existem casas especializadas em modificação automóvel realizadas por verdadeiros profissionais e que para além das performances, incrementam a segurança do carro.

ES – Mas como é que as autoridades podem distinguir as boas, das más modificações?

D – Em alguns países já existe a possibilidade de fazer um pedido de alterações, que depois fica registado nos documentos da viatura. Uma equipa de técnicos especializados é que diz se as alterações podem ser feitas ou não e se podem ser legalizadas. Porque não fazem isso em Portugal?

Durante o diálogo já tinham passado alguns carros. Íamos em direcção a um dos parques onde estavam alguns veículos estacionados. Mas surpresa das surpresas, logo de imediato começam a arrancar, ainda antes de lá chegarmos. Quando olhamos para trás, descobrimos a razão desta fuga deliberada: um carro da BT (Brigada de Trânsito). O carro parou junto à estrada. Os agentes começaram a falar com um grupo de jovens que estavam ali a assistir. Foi tudo demasiado rápido. O nosso companheiro diz-nos que os street racers dirigem-se agora para a A22, a chamada Via do Infante. Uma vez lá chegados, qual não é o nosso espanto quando vemos um grupo imenso de pessoas e carros em cada uma das áreas de repouso ao longo da auto-estrada. Drift diz-nos que a maior parte dos “picanços” são realizados com pouco trânsito, pois a maior parte dos aceleras, prefere ter a estrada livre para acelerar à vontade. Num desses parques parámos e conversámos um pouco com um grupo de rapazes. Para além da empatia que apresentam como grupo, é interessante a linguagem específica que apresentam. Expressões como “escreve em terceira”, “picanços”, e toda uma série de terminologias ligadas à mecânica, são bastante comuns. Para além disso, quando referem as velocidades nunca dizem por extenso, mas sim, separando os números, como por exemplo dois/quarenta, dois/sessenta, etc.

Mais uma vez não quiseram dizer os nomes. Um deles, encostado orgulhosamente junto do seu bólide, um Fiat Coupé 20v Turbo, afirma que só lá vai para assistir. Confrontados com a eterna questão se o Tuning está ligado ao street racing, todos respondem que não. - “Existe sempre os dois lados da moeda” – diz um deles. “Aqueles que preparam os carros somente pela apreciação estética e outros que gostam de arriscar e mostrar aos outros que a sua máquina é a mais rápida”. Como exemplo disso, temos Rodrigo Bernardes, que no seu tempo livre, “fecha-se” literalmente na garagem, onde prepara o seu Honda Civic CRX Vtec de 1600cc (centímetros cúbicos) e de 160cv (cavalos) de “livrete”, para segundo ele, passear e entrar em concursos de tuning, que já se vão realizando por cá e fomentam o desenvolvimento e crescimento da modalidade. – “Nunca participei numa corrida, e espero nunca participar”, diz-nos Rodrigo. – “Tenho demasiado dinheiro investido no carro para correr o risco de o perder num acidente”. Ele afirma que tem a resposta para a dicotomia tuning/street racing: - “Em todo o lado existem pessoas que respeitam ou não as leis. No futebol existem adeptos que vão só assistir, enquanto que há outros que causam distúrbios…

Paulo Passarinho, director da revista Maxi Tuning, numa entrevista realizada pela Automotor, afirma que “Nós não temos nada a ver com os Street Racers – que, em boa verdade, nem sequer existem em Portugal, dado ser um movimento oriundo dos EUA, que nos anos 60 vivia em comunidade, como um gang, e se expressava através da velocidade”. “Por cá metem tudo num mesmo grupo. Quem vai para a ponte acelerar não é um adepto de tuning. São jovens endinheirados, de um extracto social bastante identificado, que têm possibilidade de pagar as multas. Quem tem um Subaru Impreza (ou quem põe um Saxo a andar como um) não tem problemas de dinheiro”. Contudo, Drift, diz-nos que na região do Algarve, existe quem não tenha possibilidades financeiras e apareça todas as noites com grandes máquinas artilhadas. Sem querer referir nomes, apenas mencionou os assaltos a algumas empresas de tuning e outras ilegalidades, mas que prefere não citar, pois “ninguém tem a certeza”. Inclusive, afirma que “alguns preparadores, emprestam peças a amigos, para estes virem exibir durante os encontros à noite, para incentivar os outros a comprar”.

Continuando as nossas deambulações durante mais umas noites, verificámos que as corridas não decorrem apenas no Parque das Cidades e na A22. Algumas vias próximas de Portimão, Lagoa, Albufeira, Olhão, entre outras, são palco dos street racers. Por essa razão não é de espantar que as entidades fiscalizadoras, nada possam fazer, pois não dispõem de meios humanos e logísticos, para cobrir uma área de semelhante envergadura.

Para além disso, o diálogo com os intervenientes levam-nos a colocar uma dúvida: Como podemos identificar um Street Racer? Será que qualquer indivíduo que circula em excesso de velocidade não pode ser considerado um? Exemplos não faltam de irresponsabilidade nas estradas. Durante as nossas deslocações, vimos por diversas vezes, “cidadãos comuns” a velocidades que apenas o pudor nos impede de descrever aqui, mas que eram sem sombra de dúvidas, proibitivas…

Uma coisa é certa: o fenómeno existe no Algarve e parece que está para durar, pelo menos pela intensa actividade que se regista pelas diversas zonas da região.